quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

“LES MISÉRABLES”: experiência mística, religiosa e espiritual

 



O presente trabalho pretende expressar relatos de nossa experiência mística, religiosa, espiritual a partir do filme americano: “Les misérables” (1998), dirigido por Bille August, sexta adaptação para o cinema do romance “Os Miseráveis”, de Victor Hugo, 1862. Descreveremos em que sentido o filme marcou nossa vida, destacando os recursos utilizados pelo realizador, contextualizando-o dentro dos conceitos e reflexões que desenvolvemos durante as aulas da disciplina: “Temas especiais de Comunicação e Pastoral: Cinema e Pastoral, FAJE – 2020.2”.

O filme gera empatia nos que o assistem, pois é rico em ensinamentos, valores e deixa claro que o bem sempre vence o mal. É um convite a acreditar na humanidade, que um ato de bondade gera vários outros e que é possível dar a volta por cima, chegar ao cume da montanha, vencer apesar das dificuldades.

O pano de fundo para o romance de Victor Hugo é a realidade político/social do povo francês (Revolução Francesa, 1789 a Revolução da Primavera dos Povos, 1832-1848), especialmente os pobres, por isso o nome “miseráveis”, ainda que no decorrer do enredo veremos que essa miséria não se limita a social. O romance teve mais 50 adaptações para o cinema, televisão ou teatro, onde se tornou um dos musicais mais visto da história e foi premiado muitas vezes nas várias formas adaptadas. No Óscar 2013, “Os Miseráveis” (2012) por exemplo, teve oito indicações e levou três estatuetas: atriz coadjuvante, mixagem de som e maquiagem.   

Analisaremos o filme “Les misérables” (1998), em questão em quatro partes. Na primeira, vemos que após cumprir 19 anos de prisão com trabalhos forçados por ter roubado comida, Jean Valjean (Liam Neeson) tem liberdade condicional e não se apresenta às autoridades de segurança do Estado. Inicialmente, ele é acolhido por um bispo (Peter Vaughan), que lhe dá comida e abrigo. Porém tanto rancor havia na sua alma que no meio da noite rouba os talheres e agride seu benfeitor. Logo Valjean é preso pela polícia com toda aquela prata e é levado até o bispo, que diz aos policiais ter lhe dado a prataria e ainda pergunta a Valjean por qual motivo esquecera os castiçais, avaliados em pelo menos dois mil francos. Este gesto extremamente nobre do religioso devolve a fé que aquele homem amargurado tinha perdido.

Essa é a primeira cena onde valores, como a misericórdia, são exercidos. Como Valjean que a partir daquele momento resolveu ser um novo homem, o gesto daquele bispo nos fala que é preciso confiar mais nas pessoas; que diante de Deus somos todos iguais, ou seja, seu amor alcança todos os seus filhos; ensinando-nos ainda que devemos dar outra chance, àqueles que erram. Chama nossa atenção para o fato de que, também nós podemos promover oportunidade de crescimento para nós mesmos e para os nossos irmãos; que podemos e devemos fazer a diferença na vida das pessoas.

Na segunda parte do filme, Valjean aparece vivendo em uma nova cidade há nove anos, ele é o novo prefeito e principal empresário daquele local. Sua paz acaba, porém, quando Javert (Geoffrey Rush), um guarda da prisão que segue a lei inflexivelmente, tem praticamente certeza de que o prefeito é o ex-prisioneiro, que nunca se apresentou para cumprir as exigências do livramento condicional, mas ele não consegue provar que o prefeito e Jean Valjean são a mesma pessoa. Vale salientar que penalidade para esta falta era prisão perpétua.

Nesta parte o enredo nos ensina que podemos dar a volta por cima e que apostar no bem e que aderir a sua proposta é a melhor saída. Valjean soube valorizar a oportunidade que a vida lhe deu. E nós, o que fazemos com cada dia, cada situação, cada oportunidade na vida que Deus nos dá? Por outro lado temos a imagem de Javert, um escravo da lei, que nos faz recordar o farisaísmo de um grupo de judeus da antiga Aliança que tomava a lei pela lei. Como seguidores de Jesus Cristo, não devemos nos esquecer do ensinamento Mestre, ao sinalar que lei foi feita para o homem, não o contrário (Mc 2,27). Não podemos colocar a lei em primeiro lugar, mas a vida, a dignidade humana, o amor entre todos. Aliás, esta é a lei que nos ensina Jesus, a lei do amor, não um amor qualquer, mas o amor como o d’Ele (Jo 13,34-35).

Na parte terceira, o filme mostra que Fantine (Uma Thurman), uma das empregadas de Valjean, que tem uma filha, Cosette (Claire Danes), fora do casamento, que é cuidada por terceiros, é despedida e se vê obrigada a prostituir-se e é presa. Seu ex-patrão, Valjean, descobre o que acontecera, usa sua autoridade para libertá-la e a acolhe em sua casa, pois ela está muito doente. Sentindo que ela pode morrer ele promete cuidar da filha e assim o faz. Porém, antes de pegar a criança sente-se obrigado a revelar sua identidade para evitar que um prisioneiro, que acreditavam ser ele, fosse preso no seu lugar; momento em que também Fantine vem a falecer.

            Aqui o filme mostra os atos de bondade praticados por Valjean, fruto das experiências de misericórdia que ele experimentou. Ensinando-nos, portanto a também praticar o bem ás pessoas que estão ao nosso redor. As cenas nos falam de empatia, acolhida, compaixão, sofrer com a dor do outro. Dá para ver a crise de consciência em Valjean: “revela sua identidade e é preso, ou a omite e deixa que um inocente miserável morra em seu lugar?”. A humildade, a simplicidade e o amor afetivo e efetivo são caminhos seguros que nos levam a prática do bem, da verdade e da justiça. É nesta parte também onde se plasmam os conceitos de beleza, verdade e bondade presentes na Via pulchritudinis.

Na quarta e última parte, o longa narra a perseguição obstinada de Javert a Valjean, que foge com a menina Cosette à Paris, ali, auxiliado por um carroceiro que ajudara no passado, arruma emprego no colégio interno de freiras, onde vive com simplicidade com a filha adotiva. Ele deseja que ela se consagre a Deus naquela congregação, mas seu coração é atraído pelo jovem estudante/insurgente, Marius Pontmercy (Hans Matheson), que lutava por liberdade democrática, contra o regime político francês. Inicialmente Valjean resiste, mas logo aceita esse relacionamento, pois só deseja a felicidade de Cosette. Em meio às lutas armadas, barricadas e motins gerados pelos movimentos, Valjean tenta fugir à Inglaterra, mas termina por algumas vezes, cara a cara com Javert, inclusive o salvando das mãos dos insurgentes. Na última cena desses fatídicos encontros, Valjean parece deixar-se prender, os dois estão às margens do rio Sena e Javert pede que os guardas os deixe a sós, tempo em que diante da bondade do perseguido, Javert entrega-lhe sua carta de liberdade tira a própria vida, jogando-se no rio.

            Mais uma vez, o que se vê nesta parte, é a vitória do bem, os valores humanos resistem mesmo sufocados por circunstancias difíceis. Nas primeiras cenas, da parte em questão, vemos que até o menor bem que fazemos terá sua recompensa (Mt 10,42). Depois vemos o amor desinteressado, gratuito e livre (1Cor 13,1-13) de Valjean para com sua filha Cosette, ele procurou a partir de sua “conversão” ser um homem honrado, todo entregado aos valores cristãos, empregando todas as suas forças na realização do bem. Ele teve oportunidade de tirar a vida daquele que lhe perseguia, mas não o fez. Na vida isso nos ocorre com frequência, temos nossos desafetos e muitas vezes podemos praticar o mal e agir contra essas pessoas, porém o conselho do Mestre Jesus é que amemos e rezemos por nossos inimigos (Mt 5,44). O amor é mais forte que a morte e foi por falta de amor que Javert se desesperou e tirou a própria vida, por não compreender um amor que se faz doação, ele agia em nome da lei escrita no papel, não conseguiu transcrevê-la no coração.

Outra vez aludimos a Via pulchiritudinis ao nos fixarmos no belo que o filme emprega. De fato, pela beleza podemos chegar a Deus, porque ela desperta em nós o desejo de buscá-lo pela contemplação, e nesse quesito o filme não deixa a desejar, apesar de o figurino ser bonito e digno, a beleza que falamos aqui está além daquilo que os olhos podem ver, está na mensagem de bondade que o longa entrega.  

O filme veio de encontro ainda, com o conteúdo apresentado pela professora Carla que integra a Pastoral Carcerária no Uruguai, bem como os “pobres, pretos e analfabetos” brasileiros que são vítimas do sistema que os persegue, prende, extermina em nome de uma lei que mata, com julgamentos injustos e seletivos, onde os pequenos não têm voz ou vez. O que acontecia na França do início do século XIX, continua ocorrendo hoje, seja no Uruguai, no Brasil e em inúmeros países do mundo onde o ser humano é deixado em segundo lugar ficando em primeiro, os interesses de mercado. Porém é consolador saber que a justiça de Deus é certa, e se dará no tempo d’Ele. Deus não desampara os pobres e anuncia bem-aventurados os que sofrem perseguição por causa da justiça, a quem também, segundo o Evangelho, pertence o reino dos céus (Mt 5,10).

O longa uma ferramenta efetiva que pode ser utilizado nos serviços pastorais, especialmente junto aos fiéis pobres, alocados nas periferias geográficas e existenciais, pois sua mensagem é atual, consistente e de fácil identificação. Ninguém melhor que os pobres para entender dos dramas humanos tratados no filme, uma vez que sua relação com situações similares não são teoria, mas pratica de vida.    

            Definitivamente o caminho para uma vida com dignidade para todos, passa pelo exercício do amor, única lei capaz de conseguir fazer com que a humanidade continue sua jornada pela terra sendo de fato o que é: humana, cujos valores como o bem, o belo e vero sejam máximas experimentadas por todos e por todas. Talvez o grande mérito do filme é que convida ajuda humanidade a acreditar na humanidade.

 


REFERÊNCIA

BÍBLIA de Jerusalém. Nova. ed. rev. e ampl. 9. reimpr.  São Paulo: Paulus, 2013.

 

AUGUST, Bille. Les Misérables. Filme, colorido, 131 min., Estados Unidos, 1998.  Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=vwNaNuelTls&t=264s> Acesso em 15 out. 2020.

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