sexta-feira, 16 de abril de 2021

Filme Cobaias (Miss Evers' Boys) e a colaboração do Estudo Tuskegee para a Bioética

 



A sétima arte, mas especificamente ao filme “Cobaias” (Miss Ever’s Boys - 1997), “reflete muito bem os aspectos éticos envolvidos no projeto de pesquisa conhecido como Estudo Tuskegee, realizado em seres humanos no período de 1932 a 1972, pelo Serviço de Saúde Pública dos Estados Unidos da América” (SILVA, 2007).

Nesse estudo um grupo de pessoas de aproximadamente 400 negras do Condado de Macon, Alabama, Estados Unidos, foi utilizado como cobaia num experimento sobre a evolução da sífilis não tratada. Essas pessoas não foram informadas que tinham sífilis e tiveram o tratamento negado mesmo depois do aparecimento da penicilina, que segundo Tauana Campos (2011), foi descoberta em 1928, por Alexander Fleming, mas utilizada como fármaco somente a partir de 1941. O Estudo Tuskegee foi patrocinado pelo governo americano e só foi interrompido quando a imprensa o revelou publicamente, causando protestos e indignação no povo americano.

Esse estudo somado ao “Estudo de Oslo”, citado no filme, e ao “Estudo de Rosahn”, bem como outras experiências desumanas, conforme  Campos (2011),  os realizados por Adolfo Hitler no contexto da Segunda Guerra Mundial (1939–1945), onde prisioneiros de guerra, eram expostos a baixas temperaturas por períodos prolongados; infectados com diversas doenças (tifo, malária e outras) para testar drogas e vacinas; administração venenos para estudar seus efeitos letais; testes aplicando corantes químicos nos olhos de presos na tentativa de mudar suas cores, experiências com gêmeos, entre outros, serviram para abrir os olhos da sociedade sobre a criação de leis, no campo da bioética, que controlassem a pesquisa com seres humanos.

 Conforme Campos (2011), mesmo existindo documentos como o Código de Nuremberg (1947), que prevê o consentimento voluntário como pré­requisito essencial para a participação do ser humano em pesquisas médicas; a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), que defende o nascimento livre de todas as pessoas e igualdade em dignidade e direitos, e a Declaração Helsinque (1964), que configura-se como o primeiro esforço significativo da comunidade médica internacional para regulamentar a investigação em si; à comunidade negra do Condado de Macon foi negado esse direito, pois nunca lhe foi informado que estava sendo usada como sujeito de pesquisa. Conforme o filme, as pessoas ali estudadas acreditavam que estavam sendo tratadas da doença do “sangue ruim”. Como compensação, eram avaliadas periodicamente pelo médico, recebiam uma refeição quente no dia dos exames e o pagamento das despesas do funeral.

No longa, outros detalhes não passaram despercebidos aos nossos olhos, como foi o caso do racismo explícito, com locais específicos para os brancos lavarem as mãos; a luta da enfermeira e médicos negros, que mesmo cientes das deficiências do experimento, apostaram no mesmo, para provar, ainda que pela doença, que também nisso, brancos e negros estão no mesmo pé de igualdade; a manobra do Senado Americano em querer culpar os funcionários negros pelo escandaloso experimento, e o desejo dos protagonistas negros de fazer o melhor na fidelidade ao juramento da profissão.

O filme mostra que os valores econômicos, de poder e sucesso estão acima das vidas humanas, especialmente, quando essas vidas são de negros, pobres e periféricos, algo infelizmente presente também em nossos dias em diversos espaços da sociedade. Itens estudados em sala, como o comportamento do médico que sabe, pode falar e fazer e do paciente que é leigo, deve apenas obedecer e se submeter aos procedimentos; a questão da linguagem técnica ou a acessível aos clientes, e o comportamento que fere os atuais quatro princípios da Bioética estiveram presentes nas cenas, até porque, como foi comentado em sala, os mesmos ainda não tinham sido elaborados, passo dado apenas em 1978, por meio do Relatório Belmont, instrumento produzido graças a experiências como o Estudo Tuskegee, que ganhou mais repercussão internacional, com a publicação, em 1981, do livro “Bad Blood: The Tuskegee Syphlis Experiment” e da estreia, em 1997, do filme: “Miss Evers' Boys / Cobaias”.

Hoje, em se tratando de ciência, quase tudo que se pode imaginar, poderia ser realizado ou criado nos laboratórios, porém graças ao desenvolvimento da Bioética e da cobrança pelo cumprimento do que rege os princípios do Relatório Belmont, a saber: Autonomia, Beneficência, Justiça e Não-Maleficência, pesquisas tendem ser realizadas no âmbito da ética respeitando as pessoas em seu consentimento livre e esclarecido, levando em consideração a relação custo-benefício, permitindo a igualdade de acesso à participação nos estudos e distribuição dos resultados, e determinando a obrigação de não infligir danos intencionalmente ao paciente.

Ver o filme na íntegra!
 

REFERÊNCIAS

CAMPOS, Tauana. Filme “Cobaias” e o Caso Tuskegee: onde estava a bioética?. Biosferas. Unesp - Rio Claro, 2011. Disponível em: <http://www.rc.unesp.br/biosferas/Art0036.html> Acesso em: 30 mar. 2021.

SARGENT, Joseph. Cobaias. Filme, Drama/Guerra, 1h 58min., Estados Unidos, 1997. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=5H24-PHs3Us> Acesso em 29 mar. 2021.

SILVA, Inês Schmitz Wessling da. Ética na pesquisa: uma abordagem do filme “Cobaias”. Disponível em: <https://web.unifil.br/docs/Congresso_Multiprofissional_III/artigo63.pdf> Acesso em 31 mar. 2021

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