A sétima arte, mas
especificamente ao filme “Cobaias” (Miss Ever’s Boys - 1997), “reflete muito
bem os aspectos éticos envolvidos no projeto de pesquisa conhecido como Estudo
Tuskegee, realizado em seres humanos no período de 1932 a 1972, pelo Serviço de
Saúde Pública dos Estados Unidos da América” (SILVA, 2007).
Nesse estudo um grupo
de pessoas de aproximadamente 400 negras do Condado de Macon, Alabama, Estados
Unidos, foi utilizado como cobaia num experimento sobre a evolução da sífilis
não tratada. Essas pessoas não foram informadas que tinham sífilis e tiveram o
tratamento negado mesmo depois do aparecimento da penicilina, que segundo Tauana
Campos (2011), foi descoberta em 1928, por Alexander Fleming, mas utilizada
como fármaco somente a partir de 1941. O Estudo Tuskegee foi patrocinado pelo
governo americano e só foi interrompido quando a imprensa o revelou publicamente,
causando protestos e indignação no povo americano.
Esse estudo somado ao
“Estudo de Oslo”, citado no filme, e ao “Estudo de Rosahn”, bem como outras
experiências desumanas, conforme Campos
(2011), os realizados por Adolfo Hitler no
contexto da Segunda Guerra Mundial (1939–1945), onde prisioneiros de guerra,
eram expostos a baixas temperaturas por períodos prolongados; infectados com diversas
doenças (tifo, malária e outras) para testar drogas e vacinas; administração
venenos para estudar seus efeitos letais; testes aplicando corantes químicos nos
olhos de presos na tentativa de mudar suas cores, experiências com gêmeos,
entre outros, serviram para abrir os olhos da sociedade sobre a criação de
leis, no campo da bioética, que controlassem a pesquisa com seres humanos.
Conforme Campos (2011), mesmo existindo documentos
como o Código de Nuremberg (1947), que prevê o consentimento voluntário como
prérequisito essencial para a participação do ser humano em pesquisas médicas;
a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), que defende o nascimento
livre de todas as pessoas e igualdade em dignidade e direitos, e a Declaração
Helsinque (1964), que configura-se como o primeiro esforço significativo da
comunidade médica internacional para regulamentar a investigação em si; à
comunidade negra do Condado de Macon foi negado esse direito, pois nunca lhe
foi informado que estava sendo usada como sujeito de pesquisa. Conforme o
filme, as pessoas ali estudadas acreditavam que estavam sendo tratadas da
doença do “sangue ruim”. Como compensação, eram avaliadas periodicamente pelo
médico, recebiam uma refeição quente no dia dos exames e o pagamento das
despesas do funeral.
No longa, outros
detalhes não passaram despercebidos aos nossos olhos, como foi o caso do
racismo explícito, com locais específicos para os brancos lavarem as mãos; a
luta da enfermeira e médicos negros, que mesmo cientes das deficiências do
experimento, apostaram no mesmo, para provar, ainda que pela doença, que também
nisso, brancos e negros estão no mesmo pé de igualdade; a manobra do Senado
Americano em querer culpar os funcionários negros pelo escandaloso experimento,
e o desejo dos protagonistas negros de fazer o melhor na fidelidade ao
juramento da profissão.
O filme mostra que os
valores econômicos, de poder e sucesso estão acima das vidas humanas,
especialmente, quando essas vidas são de negros, pobres e periféricos, algo
infelizmente presente também em nossos dias em diversos espaços da sociedade.
Itens estudados em sala, como o comportamento do médico que sabe, pode falar e
fazer e do paciente que é leigo, deve apenas obedecer e se submeter aos
procedimentos; a questão da linguagem técnica ou a acessível aos clientes, e o comportamento
que fere os atuais quatro princípios da Bioética estiveram presentes nas cenas,
até porque, como foi comentado em sala, os mesmos ainda não tinham sido
elaborados, passo dado apenas em 1978, por meio do Relatório Belmont, instrumento
produzido graças a experiências como o Estudo Tuskegee, que ganhou mais
repercussão internacional, com a publicação, em 1981, do livro “Bad Blood: The
Tuskegee Syphlis Experiment” e da estreia, em 1997, do filme: “Miss Evers' Boys
/ Cobaias”.
Hoje, em se tratando de
ciência, quase tudo que se pode imaginar, poderia ser realizado ou criado nos
laboratórios, porém graças ao desenvolvimento da Bioética e da cobrança pelo
cumprimento do que rege os princípios do Relatório Belmont, a saber: Autonomia,
Beneficência, Justiça e Não-Maleficência, pesquisas tendem ser realizadas no
âmbito da ética respeitando as pessoas em seu consentimento livre e
esclarecido, levando em consideração a relação custo-benefício, permitindo a igualdade
de acesso à participação nos estudos e distribuição dos resultados, e determinando
a obrigação de não infligir danos intencionalmente ao paciente.
REFERÊNCIAS
CAMPOS,
Tauana. Filme “Cobaias” e o Caso Tuskegee: onde estava a bioética?. Biosferas. Unesp - Rio Claro, 2011.
Disponível em: <http://www.rc.unesp.br/biosferas/Art0036.html> Acesso em:
30 mar. 2021.
SARGENT, Joseph. Cobaias. Filme, Drama/Guerra, 1h 58min., Estados Unidos, 1997. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=5H24-PHs3Us> Acesso em 29 mar. 2021.
SILVA, Inês Schmitz
Wessling da. Ética na pesquisa: uma
abordagem do filme “Cobaias”. Disponível em:
<https://web.unifil.br/docs/Congresso_Multiprofissional_III/artigo63.pdf>
Acesso em 31 mar. 2021
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