Ir. Cleber Teodósio, CM
Semelhante a São Vicente de Paulo, que primeiro vivia, e só
depois formaliza suas obras, o Papa Francisco parece conduzir seu pontificado. Desde
que começou seu Ministério Petrino, Francisco vinha dando sinais de que a Cúria
Romana precisava passar por transformações. Depois de quase 10 anos de reflexão,
junto ao Conselho de Cardeais e de encaminhamentos de pequenas mudanças
internas e gestos pessoais, que dizem muito sobre a austeridade de seu papado,
a nova Constituição Apostólica que faz valer o axioma “Curia semper reformanda”, foi promulgada, em Roma, na Solenidade
de São José, em 19 de março de 2022, e em vigor na Solenidade de Pentecostes, em
05 de junho do mesmo ano.
Recorrendo a portais de notícias católicos, assim como os
sites da CNBB e do Vaticano
concluímos que o Documento é sucessivo e substitui as constituições apostólicas
Regimini Ecclesiae Universae (1967)
de Paulo VI, anteriormente suplantada
pela Pastor Bonus (1988) de João
Paulo II. Ainda que, conforme o prefeito da Congregação das Causas dos Santos, cardeal
Marcello Semeraro, “engana-se e é até fantasioso pensar numa reforma que perturbaria
todo o sistema curial”, pois um princípio importante seguido na elaboração do
documento é o de Tradição, de modo que a Nova Constituição faz
"reflorescer" as esperanças e expectativas do Concílio Vaticano II.
Acredita-se porém, que talvez o maior passo de renovação
desta Constituição seja a abertura para o protagonismo dos leigos na Igreja. A
antiga, Pastor Bonus defendia que "os
assuntos que requerem o exercício da potestade de governo devem ser reservados
àqueles que são agraciados com a ordem sagrada" (PB n.7). A nova,
Praedicate Evangelium, admite que leigos e leigas podem servir na Cúria Romana,
assumindo liderança de Dicastérios ou outros organismos. Algo que já está em voga,
desde a admissão do leigo, Paolo Ruffini, como Prefeito do Dicastério para a
Comunicação. Vale salientar que também o termo "Congregação", cujas
presidências supunha ser apenas cardeais, passa a “Dicastério”, sugerindo assim
que todos os batizados podem exercer este ofício: clérigos, consagrados e
leigos. Assim, vemos que o critério da nova Constituição para lideranças na
Cúria, já não é o grau da Ordem, mas o Batismo, de modo que, realiza plenamente
o que foi estabelecido pelo Concílio e já implementado pelas leis canônicas,
onde se reconhece que em virtude do batismo entre todos os fiéis há uma
verdadeira igualdade na dignidade e no agir.
A Praedicate Evangelium está organizada em 11 capítulos e tem
250 artigos a saber: I. Preâmbulo, II. Princípios e critérios para o serviço da
Cúria Romana, III. Regras gerais (artigos 1-43), IV. Secretaria de Estado
(44-52), V. Dicastérios (53-188), VI. Órgãos de justiça (189-204), VII. Órgãos
econômicos (205-227), VIII. Escritórios (228-237), IX. Advogados (238-240), X. Instituições
ligadas à Santa Sé (241-249) e XI. Regra transitória (250).
Destacaremos, a seguir, alguns pontos chaves desta
Constituição Apostólica, identificados por Elena Magariños, da revista
espanhola Vida Nueva Digital (2022). Vejamos:
1. A Cúria Romana não estará mais apenas a serviço do Papa,
mas a serviço de todas as dioceses. Documento também defende a criação de
mecanismos de colaboração e trabalho em rede entre os dicastérios, cobrando dos
membros da Cúria e colabores dos diferentes dicastérios, integridade pessoal e
profissionalismo.
2. A Constituição Apostólica reduz o número de dicastérios,
unindo aqueles cuja finalidade era muito semelhante ou que se complementavam
com o objetivo de tornar o trabalho mais eficiente. Assim como as congregações
da Cúria Romana, os pontifícios conselhos passam a ser, todos eles, dicastérios.
3. Sobre a proteção de menores, o Documento rege que passe à
Cúria a Pontifícia Comissão para a Proteção dos Menores, unindo-a ao Dicastério
para a Doutrina da Fé, cuja tarefa é assessorar e aconselhar o Romano Pontífice
e também propor as iniciativas mais adequadas para a proteção dos menores e de
pessoas vulneráveis.
4. A Caridade e a Missão ganham destaque na nova
Constituição, pois é criado um novo Dicastério para o Serviço da Caridade
(Esmola Apostólica), que realizará assistência e ajuda aos necessitados de
qualquer lugar do mundo, em nome do Papa; bem como se criará um grande
'ministério' para a Evangelização no qual se unifica o trabalho realizado hoje
pela Congregação para a Evangelização dos Povos (Propaganda Fide) e pelo Pontifício Conselho para a Promoção da Nova
Evangelização. Ambos se fundem e se tornam o Dicastério para a Evangelização,
presidido diretamente pelo Papa.
5. A Cultura e a Educação também aparecem fundidos, de modo
que o Pontifício Conselho para a Cultura e a Congregação para a Educação
Católica se tornam o Dicastério para a Cultura e a Educação, que por um lado se
dedicará à promoção cultural e animação pastoral, e por outro, a desenvolver os
princípios da educação nos centros de estudos católicos.
Na coletiva acontecida na sala de imprensa da Santa Sé, em
21/03/2022, o secretário do Conselho de Cardeais, Dom Marco Mellino disse que
“todos os dicastérios gozam da mesma dignidade jurídica e todos exercem o poder
de jurisdição, por isso a ordem da sua colocação na lista não tem valor
jurídico em si”. Ainda que a escolha de colocar em primeiro o Dicastério para a
Evangelização "torna explícita a perspectiva da atividade missionária na
qual se realizou a visão geral da reforma da Cúria".
Podemos perceber que a Praedicate
Evangelium aponta para uma Cúria mais sinodal, bem como que procura
promover o sentido de colegialidade e responsabilidade pastoral, e uma sã
descentralização para garantir a rápida eficácia da ação pastoral. Oxalá todas
estas novidade ajude a Igreja de Cristo seguir cada vez mais fiel ao Evangelho
de Jesus. Assim seja!
TEODÓSIO, Cleber. Praedicate Evangelium: constituição
apostólica do Papa Francisco. In Informativo
São Vicente: Província Brasileira
da Congregação da Missão. Vol. LVI. Nº 318. Jan. Fev. Mar.
2022. Disponível em: <https://www.pbcm.org.br/documentos/120422-b8N1usvsFGuPL.pdf>
Aceso em 13 abr. 2022