“Jesus
Cristo é a Regra da Missão”
São
Vicente de Paulo, XII, 130
O
estudo sobre a fundamentação bíblica nas Regras Comuns da Congregação da Missão,
tem área de pesquisa junto à vida, obra e missão de São Vicente de Paulo por
sua relação com as ciências bíblicas e jurídicas.
A
análise das Regras Comuns, e por ela, aspectos relevantes das atuais
Constituições e Estatutos da Congregação da Missão motivou-nos a, como sugeriu
Mc Cullen (CCEE p. 6), não nos contentarmos em deixar no papel tal projeto, mas
imprimi-lo em nossos corações e expressar em nossa vocação de pregar o
Evangelho aos pobres. Uma vez que, de fato, as Constituições são um instrumento
a nos capacitar para, mais efetivamente, amarmos o que São Vicente amou e
praticarmos o que ensinou.
A
Congregação da Missão foi fundada por São Vicente em 25 de janeiro de 1617, em
Paris, França. O Santo colocando-se à disposição para responder o chamado de
Deus em sua vida, colaborou significativamente para o exercício da missão e da
caridade na Igreja de Cristo, doando-se todo como missionário do Pai,
evangelizador dos pobres, formador do clero e organizador de obras caritativas
e sociais, fundando também outras instituições eclesiais que existem até os dias de hoje e inspirando, em todos os
continentes, o surgimento de novas fundações que atuam como presença de Deus
junto aos mais pobres e necessitados.
Detendo-nos
um pouco mais nas Regras Comuns descobriremos a riqueza do texto e sua
importante colaboração para as atuais Constituições e Estatutos da Congregação
da Missão.
Primeiro,
porque Vicente de Paulo, autor das mesmas, apesar dos limites próprios de sua
época, tem estreita relação com a Palavra de Deus. De fato, se lançamos um olhar
sobre a históra desde o século I até a época que viveu o Santo, século XVII,
observamos que o acesso a Bíblia, nesse período, dava-se de forma tímida e com
bastante limitação. Mesmo o cristianismo se tornando religião do Império Romano
e a fé cristã deixando de ser perseguida, o acesso à Palavra continua restrito
apenas ao clero ou a pessoas ricas e cultas, uma vez que os livros eram raros e
estavam apenas em Latim. Em 1517 Lutero empreende a Reforma Protestante,
criando uma nova religião e traduzindo a Bíblia para o Alemão, tempo em que a
Igreja aplica a Contra-reforma com o Concílio de Trento (1545). São Vicente
viveu na época da Igreja Tridentina. Ele lia diariamente as Sagradas Escrituras
e motivava os missionários a também fazer o mesmo. São Vicente, com uma leitura
encarnada da Palavra de Deus, não apologética e dogmática – como era comum da
época, evangelizou os pobres, formou o clero e aplicou a revelação bíblica em
sua própria vida.
Depois
identificamos a inspiração bíblica de São Vicente nas Regras Comuns. Vemos que
as Regras tardaram quase trinta e três anos para serem redigidas e entregues
aos missionários. Segundo São Vicente assim foi feito, “tanto para imitar a
Cristo nosso Salvador, em ter começado primeiro a fazer antes de ensinar, como
também para precaver muitos inconvenientes, que sem dúvida poderiam nascer da
precipitada publicação das mesmas Regras.” (RC p. 101). As referidas regras
estão reunidas em doze capítulos a saber:
Capítulo
I - Fim e instituto da Congregação
Capítulo
II - Máximas Evangélicas
Capítulo
III - Pobreza
Capítulo
IV - Castidade
Capítulo
V - Obediência
Capítulo
VI - Do que diz respeito aos enfermos
Capítulo
VII - Modéstia
Capítulo
VIII - Da mútua conversação dos nossos
Capítulo
IX - Da conversação com os externos
Capítulo
X - Dos pios exercícios que hão de observar-se na Congregação
Capítulo
XI - Das missões e outras funções da Congregação em favor do próximo
Capítulo
XII - De alguns meios e adjutórios requeridos para bem e frutuosamente se
fazerem as sobreditas funções.
Todos
esses capítulos estão permeados pela Palavra de Deus que fundamenta o defendido
por São Vicente nos ensinamentos, orientações e deliberações do documento, que
se centram nos Textos Sagrados e na pessoa de Nosso Senhor, a ponto de São
Vicente sintetizar: “Jesus Cristo é a Regra da Missão” (SV XII, 130). Logo, a observância
fiel das Regras Comuns é um dos melhores meios que Deus proporcionou aos
missionários de conseguir a perfeição na caridade e a perseverança na
vocação.
O
atual texto das Constituições e Estatutos tem sua origem nas Regras Comuns
escritas, rezadas e vividas por São Vicente de Paulo. A última publicação,
datada de 27 de setembro de 1984, procura responder os apelos da Igreja
atualizando sua atividade apostólica sob a inspiração do Concílio Vaticano II.
Entendemos
que o documento, além do valor jurídico normativo - mais presente nos Estatutos,
e espiritual e fraterno próprio das Constituições, não se encerra nisso, uma
vez que não se desfez das Regras Comuns, sendo nelas, segundo Rybolt (2008, p.
240) onde São Vicente expressa o “mais alto de sua reflexão espiritual e
teológica sobre a vida do Missionário”. Tanta riqueza não poderia se limitar à
Companhia, nem apenas as demais fundações que compõem os aproximadamente 160
ramos da Família Vicentina, já que segundo Flores (1995, p. 542) “mais de cem
comunidades se orientam de perto ou de longe no ‘barquinho de São Vicente e
observam sua estrela,’ tais como: Redentoristas, Salesianos e Missionárias da
Imaculada Conceição”
As
Constituições e Estatutos da Congregação da Missão não é um livro para ser
esquecido na gaveta, limitar-se a estudo apenas na formação inicial, ou
funcionar como um recurso que se recorre a ele sempre que se queira reclamar
algum direito. Mas um manual que rege toda a vida do missionário, um livro de
cabeceira que deve ser lido, rezado e vivenciado.
Ideias
de diversos autores nos ajudam a caminharmos, enquanto Congregação, rumo ao
futuro sem esquecer do que sonhou São Vicente ao fundá-la, para tal, considera Braga
(2000, p. 392-400) ser necessário observar algumas linhas essenciais: a) Viver
o fim da Companhia, b) Fundamentar toda nossa ação em Cristo, c) Ser Igreja, d)
Evangelizar e servir os Pobres.
Apesar
da Companhia ser regida atualmente pelas Constituições e Estatutos publicados
em 1984, o texto original das Regras Comuns, entregue por São Vicente aos
missionários em 17 de maio de 1658, não perdeu seu sentido. O texto aparece na
íntegra na edição vigente, entre os documentos Constituições e Estatutos, com a
clara intenção que as Regras Comuns continuem também sendo lidas, rezadas e
vividas em nossos dias e no futuro.